Fernando Morais
Com este breve texto a Casa das Américas, presidida há 40 anos por Roberto Retamar, se despede de uma das mais relevantes figuras das letras hispano-americanas. Grande amigo do Brasil, Retamar, morto ontem em Havana, aparece na foto em Ouro Preto, acompanhado de Oswaldo França Júnior, Roberto Drummond, Fernando Morais e do cubano-argentino Jorge Timossi.
A morte de Roberto Fernández Retamar é uma perda irreparável para a cultura cubana. Desde que foi lançado em 1950 com a coleção de poesia “Elegia como um hino”, seu trabalho foi abrindo canais e deixando marcas na poesia da língua espanhola, que legou textos que permanecerão para sempre como “Feliz ou normal”, “E Fernández?” ou “Com as mesmas mãos”.
Não menos relevantes são seus ensaios penetrantes e esclarecidos, que mostram a vastidão de seu pensamento e a magnitude de seu trabalho intelectual, quer nos lembremos daquele clássico da reflexão latino-americana e caribenha, “Caliban”, como se pensássemos em “Por uma teoria da literatura hispano-americana”, em sua fervorosa paixão pelo trabalho de Marti, ou em seus ensaios lúcidos sobre o papel do intelectual e os processos de descolonização cultural em nossa América.
É impossível dissociar seu nome da história da Revolução Cubana, separá-lo de um fenômeno que tem sido assunto e preocupação permanentes, tanto como cenário vital quanto como caixa de ressonância de sua figura e de seu trabalho.
Já seria muito, se esse fosse o legado de Roberto, mas sua obra literária teria que acrescentar seu ensino e sua faceta única de editor, o que o levou a dirigir várias revistas antes de assumir em 1965 o endereço da Casa das Américas, para consolidá-lo como uma das referências culturais mais importantes da nossa América.
Mas ele ainda faria mais à frente da Casa das Américas desde 1986, como continuação da heroína e fundadora Haydee Santamaría e do grande pintor Mariano Rodríguez. O privilégio de ter Roberto presidindo nas últimas décadas esta Casa contribuiu para que, sob sua liderança, ela apostasse no risco, mantendo-se fiel a si mesma, ao espírito que a viu nascer na imensa e inconclusiva tarefa de integração cultural da América Latina e do Caribe.
Por ocasião da dolorosa perda de Haydee, a Casa das Américas divulgou uma declaração em que a escrita de Roberto se torna transparente, concluindo: “É necessário dizer que ela estará conosco, em nós. Mas a partir de agora somos mais pobres, embora a honra de ter trabalhado sob a sua orientação, em voz baixa, que continuamos a sentir, orgulhosa e profundamente comovidos, ao nosso lado nos acompanha para sempre”.
Essas palavras ainda são válidas para Haydee, tanto quanto são para esse seu querido irmão que acabou de nos deixar. Nós os tornamos nossos para você, neste momento de infinita tristeza, querido Roberto.
Casa das Américas
Havana, 20 de julho de 2019.
Fernando Moraes